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Da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica

26 de Julho de 2011

DA DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA

 

 

 

luciana.briseno        sabeline.furtado

Luciana Silva Briseno e Sabeline Destro Furtado

Sócias ( Master e Plena, respectivamente) do escritório Ivan Mercêdo Moreira Sociedade de Advogados

 

    Em razão da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, fundamentais à atividade econômica do País, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica constitui norma excepcional, que visa, em regra, coibir atos, a despeito de ilícitos, com intuito de lesar terceiros ou fraudar a própria lei.

    A desconsideração da personalidade jurídica, como consequência, decreta a exiguidade da autonomia patrimonial, alcançando o patrimônio pessoal dos sócios, responsabilizando-os pelos danos causados pela empresa.

    Tem, ainda, como requisito fundamental o desvio da função da pessoa jurídica, que se traduz na fraude e no abuso de direitos relativos à autonomia patrimonial, na medida em que a desconsideração visa limitar o uso da pessoa jurídica aos fins para os quais ela é destinada. É o que reza o artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor e 50 do Código Civil:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.”

"Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, o juiz pode decidir, a requerimento da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica".

    Assim, de posse de todos esses elementos, cumpre finalmente tratar da chamada Teoria da Desconsideração Inversa da Personalidade Jurídica. Tal instituto fora primeiramente tratado pelo professor Fábio Konder Comparato, ao lecionar que:

“a desconsideração da personalidade jurídica não atua apenas no sentido da responsabilidade do controlador por dívidas da sociedade controlada, mas também em sentido inverso, ou seja, no da responsabilidade desta última por atos do seu controlador. A jurisprudência americana, por exemplo, já firmou o princípio de que os contratos celebrados pelo sócio único, ou pelo acionista largamente majoritário, em benefício da companhia, mesmo quando não foi a sociedade formalmente parte no negócio, obrigam o patrimônio social, uma vez demonstrada a confusão patrimonial de facto.”

    Amparada pela grande lição do renomado Fábio Ulhôa Coelho, “a desconsideração inversa é o afastamento do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica para responsabilizar a sociedade por obrigação do sócio”.

    É, pois, uma evolução da teoria da desconsideração da personalidade jurídica, que surgiu como uma forma de flexibilização da distinção entre a responsabilidade do ente societário e seus integrantes e que tem servido para acobertar comportamentos fraudulentos e abuso de direito, como nos casos em que credores de boa-fé vêem seus direitos e expectativas frustrados por uma sociedade em bancarrota, cujos sócios permanecem abastados.

    Por conseguinte, na medida em que se identifica a ocultação de ilicitudes pelo sócio, consistente em fraudes perpetradas pelo uso abusivo da autonomia patrimonial, tem-se, nitidamente, a possibilidade de se usufruir da desconsideração inversa, no intuito de atingir patrimônio de pessoa jurídica de quem aquele seja sócio.

    Em vista disso, os bens escondidos sob a égide da pessoa jurídica, para fins ilícitos, abusivos e fraudulentos, podem ser plenamente alcançados.

    O inigualável processualista Chovienda, na obra Instituições de Direito Processual Civil, pág. 67: “O processo deve dar à parte aquilo e exatamente aquilo que ela teria direito se o devedor tivesse cumprido espontaneamente a sua obrigação.”

    Com fincas no exposto, a teoria inversa, agora crescente no ordenamento jurídico, visa, ainda, dar celeridade e efetividade à execução, visto que a prática dos devedores de se escarnecerem das obrigações assumidas, blindando o patrimônio, é cada vez mais corriqueira e banalizada.

    Diante, pois, desse costume viciado, a teoria inversa se torna cada vez mais firme, posto que o Estado não pode aceitar que a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas seja utilizada com má-fé para o cometimento de fraudes contra credores, pois outro termo não se pode usar.

    Assim, em sua forma inversa, a desconsideração da personalidade é um instrumento hábil e eficaz a combater a prática de transferência de bens para a pessoa jurídica, evitando, com isso, a excussão do patrimônio do devedor.

    Mesmo diante de tantos benefícios que a teoria inversa possui, necessário registrar que ainda existem muitas decisões contrárias a este instituto. E isso apenas corrobora/incentiva atos fraudulentos e ilícitos, o que não se pode admitir.

    Contudo, não é essa a maioria, como abaixo se observa:

“TJMG. AGRAVO DE INSTRUMENTO - IMPROVIMENTO - AÇÃO DE EXECUÇÃO - FRAUDE À EXECUÇÃO - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA - DESVIO DE FINALIDADE OU CONFUSÃO PATRIMONIAL COMPROVADOS. DECISÃO MANTIDA. A teoria da desconsideração da personalidade jurídica, prevista no art. 50 do Código Civil, deve ser aplicada com cautela, uma vez que constitui exceção ao princípio de que a sociedade não se confunde com a pessoa de seus sócios. Presente a efetiva comprovação da fraude à execução, do desvio de finalidade ou confusão patrimonial e ainda da prática de atos irregulares, há de ser deferido o pedido de desconsideração da personalidade jurídica inversa. (1.0702.99.023535-1/001, Relatora SELMA MARQUES, Publicação: 18/05/2009)

“TJRS. APELAÇÃO CÍVEL. LOCAÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIROS. PENHORA. DESCONSIDERAÇÃO DE PERSONALIDADE JURÍDICA reconhecida, na forma inversa. Existência de dados fáticos que autorizam a incidência do instituto. Possibilidade da penhora de bens da empresa autorizada diante das circunstâncias excepcionais comprovadas nos autos e já destacadas pela sentença, que vai confirmada por seus fundamentos”. (Apelação Cível n. 70017992256, Relatora Helena Ruppenthal Cunha)

    Em exemplar voto, na ocasião de agravo de instrumento nº. 33.453/01, o eminente desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças do egrégio TJSP decidiu pela desconsideração da personalidade jurídica como forma de coibir os casos de evidente confusão patrimonial em que o executado abusava do instituto da personalidade jurídica de sua empresa, e a sua separação da situação patrimonial dos sócios, como forma de prejudicar seus credores e, mesmo insolvente, mantinha uma vida faraônica, dada a excelente situação da pessoa ficta que controlava:

“ (…) Por fim, impõe-se, ainda, afastar a assertiva das sociedades no sentido de que a desconsideração inversa só pode ser aplicada se for demonstrada a transferência de bens do patrimônio particular do sócio controlador-devedor para a pessoa jurídica. Isto porque, frustradas as diligências realizadas com o escopo de bloquear ativos financeiros do sócio devedor, que apresenta suas contas zeradas, exsurge evidente que, na condição de “dono” ou “sócio de fato” ou “controlador” das sociedades, retira da caixa das empresas, mediante expedientes lícitos ou ilícitos, formais ou informais, o necessário para a sua manutenção e de sua família (CAOA FAMILY). Nada impede que, como Diretor-Presidente das referidas sociedades, que, obviamente, dirige como senhor de baraço e cutelo, pode viajar com passagens adquiridas em nome das empresas, freqüentar restaurantes e hotéis, usando o cartão corporativo da companhia ou da sociedade limitada, utilizar veículos (automóveis, aviões, helicópteros) registrados em nome das empresas, enfim, “pode tudo”, não precisando, efetivamente, ter dinheiro de contado no bolso, nem um centavo em suas contas bancárias pessoais (…)”

    Assevera, o culto desembargador, que a assertiva de que a pessoa da sociedade não se confunde com a pessoa dos sócios é um princípio jurídico, mas não pode ser um tabu a entravar a ação do Estado na realização de perfeita e boa justiça. Sendo assim, desconsiderou em sentido inverso a personalidade jurídica.

    Por fim, também o Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento favorável à aplicação da desconsideração inversa, no julgamento do Recurso Especial nº. 948.117. Vejamos:

PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO DE TÍTULO JUDICIAL. ART. 50 DO CC/02. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA INVERSA. POSSIBILIDADE.

I – A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados impede o conhecimento do recurso especial. Súmula 211/STJ.

II – Os embargos declaratórios têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida. Inexiste ofensa ao art. 535 do CPC, quando o Tribunal a quo pronuncia-se de forma clara e precisa sobre a questão posta nos autos, assentando-se em

fundamentos suficientes para embasar a decisão, como ocorrido na espécie.

III – A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador.

IV – Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma.

V – A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, “levantar o véu” da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa.

VI – À luz das provas produzidas, a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, entendeu, mediante minuciosa fundamentação, pela ocorrência de confusão patrimonial e abuso de direito por parte do recorrente, ao se utilizar indevidamente de sua empresa para adquirir bens de uso particular.

VII – Em conclusão, a r. decisão atacada, ao manter a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, afigurou-se escorreita, merecendo assim ser mantida por seus próprios fundamentos.

Recurso especial não provido.

(STJ, Terceira Turma, REsp 948.117/MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. em 22/06/2010, DJ 03/08/2010)

    Conclui-se que a teoria inversa é um grande avanço, sendo inevitável sua aplicabilidade no ordenamento jurídico, para impedir a utilização da autonomia da pessoa jurídica para fins escusos e a perpetuação de práticas fraudulentas de sócios ao incorporar patrimônio pessoal ao da sociedade, visando frustrar execuções e o cumprimento de obrigações.

 

Referências bibliográficas

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito Comercial. São Paulo: Saraiva, 1999. 2.v. p. 45.

COMPARATO, Fabio Konder. O poder de controle da Sociedade Anônima. São Paulo: Editora Forense, 2005, 4ª edição, p. 137.

CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2008, 4ª Edição, p. 67.

BRASIL, Distrito Federal. Código Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.html . Acesso em 25/07/2011 às 15:56.

BRASIL, Distrito Federal. Código de Defesa do Consumidor. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm . Acesso em 25/07/2011 às 15:55.

BRASIL, Distrito Federal. Código de Processo Civil. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil/leis/L5869.htm. Acesso em 20/06/2011 às 13:45 horas.

BRASIL, Distrito Federal. Lei Antitruste. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8884.htm . Acesso em 25/07/2011 às 16:00 horas.

Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Disponível em www.tjmg.jus.br.

Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em www.tjsp.jus.br.

Superior Tribunal de Justiça. Disponível em www.stj.gov.br.

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